terça-feira, 9 de março de 2010

História e curiosidades

A epilepsia é uma doença conhecida há mais de três mil anos, atravessando culturas e civilizações. Esta até tem sido descoberta em animais filogeneticamente mais antigos que o homem.
No Antigo Egipto, a epilepsia já era representada em papiros e atribuída a entidades maléficas. Estas seriam as responsáveis pela doença, sendo necessárias oferendas e sacrifícios para as apaziguar.
Na Grécia Antiga, os gregos foram os primeiros a utilizar o termo epilepsia (epilhyia que significa surpresa, ser apanhado de repente), pois acreditavam que apenas os deuses seriam capazes de possuir um homem, provocando-lhe os sintomas (queda e convulsões). Também a apelidavam de “doença sagrada” pelos motivos acima referidos. Os portadores desta doença eram colocados em templos e vistos como sacerdotes.
Ainda na Antiga Grécia, por volta de 400 a. C., Hipócrates (pai da medicina) declarou que a causa da epilepsia não eram os espíritos malignos ou os deuses, mas sim o cérebro. Isto porque nesta época, existiam escritos que identificavam o cérebro como o local chave para o entendimento do comportamento humano. Também dizem que Hipócrates poderia ter sido influenciado por Atreya, pai da medicina hindu (que tinha vivido 500 anos antes). Longos anos depois de Hipócrates, apareceu Galeno (129 – 200 d.C.), que fez uma primeira classificação das diferentes formas da doença.
Relativamente aos romanos, designavam a epilepsia como “mal comicial”, porque tinham de suspender os comícios sempre que um dos participantes sofria um ataque, ficando a aguardar um sinal de bom agoiro para recomeçarem o mesmo.
Comparativamente à cultura greco-romana, os hebreus acreditavam que eram as fases da lua que provocavam as crises e se cuspissem sobre um corpo em convulsões, obrigava o demónio a sair do mesmo.
Os árabes também relacionavam o facto de as crianças serem concebidas ou nascerem durante a lua cheia corriam o risco de serem epilépticas.
Ainda hoje se acredita que é da responsabilidade da lua a transmissão da doença. Assim, em determinadas regiões de Portugal, não se deixam as fraldas a secar ao luar, para que os bebes não a contraiam.
Todas as crenças baseadas na “influência lunar” denominavam os doentes de “lunáticos”. Já os que acreditavam na possessão por demónios apelidavam-nos de “maníacos”.
Durante a Idade Média continuou-se a interpretar a doença como concepção sobrenatural ou como uma ligação mental e contagiosa. Para curar este mal, utilizavam-se meios religiosos, nomeadamente, a exorcização dos doentes e benzeduras. A doença tinha sido apelidada pelo povo de “doença das quedas”.
As pessoas portadoras de epilepsia não podiam participar na eucaristia para que não contaminassem ou profanassem o copo e prato da comunhão. A epilepsia era vista como uma maldição, algo que só se desejava aos piores inimigos.
Também foi durante a Idade Média que começou a caça às bruxas. Mais de duzentas mil mulheres epilépticas foram parar à fogueira porque se pensava que a presença de crises era uma característica de bruxas.
Até o período renascentista, a epilepsia, que era descrita como um “mal obscuro”, passou por diversas tentativas mal sucedidas, e muitas vezes cruéis, de cura: consumo de sangue humano de pessoas recentemente mortas, pó de crânio, sangria do paciente, uso extremo de laxantes, indução constante do vômito, e em alguns casos, até a abertura de orifícios no crânio (a chamada trepanação craniana) da pessoa epiléptica. Este último tratamento serviria para libertar o demónio provocador da doença.
No Renascimento e com a Revolução Científica, a anatomia fundamental para o conhecimento do corpo humano passou a ser realmente estudada, com dissecções e observações meticulosas das estruturas. O livro de anatomia "De Humanis Corpora Fabrica", de Andréa de Vesalius, concluído em 1543, é uma das obras mais importantes da história da Medicina e da epilepsia.
René Descarte afirmava, tal com Hipócrates, que esta doença tinha origem no cérebro, isto porque fez vários estudos fisiológicos e anatómicos com animais, investigando exaustivamente o sistema nervoso.
Na mesma altura, Martinho Lutero rogava à Igreja Católica pragas, sífilis, epilepsia, escorbuto, lepra e carbúnculo e denominava a epilepsia como “morbus demoniacus”, ou seja, doença do demónio. Como se pode perceber, a epilepsia era tão desejada como a lepra ou a sífilis.
Durante vários séculos, estas ideias permaneceram na cultura mundial, estando ainda presentes na mentalidade das pessoas, considerando este tema um tabu
Apenas em 1873, o inglês John Hughlings Jackson determinou que o que provocava a epilepsia eram descargas eléctricas da substância cinzenta cerebral.
No final do século XIX, foi criado um hospital, em Londres, “para paralíticos e epilépticos” e foi também nesta altura que apareceram os primeiros tratamentos eficazes para a doença. O primeiro e mais utilizado medicamento para a epilepsia foi o brometo de potássio, descoberto em 1857 por Sir Charles Lokock, parteiro da rainha Vitória.
No ano de 1929, Hans Berger, descobre o electroencefalógrafo (EEG) na Alemanha, que consiste num aparelho que permite registar as correntes eléctricas que ocorrem no cérebro. Este é um aparelho fundamental para o estudo da epilepsia.
Durante o séc. XX, os principais medicamentos utilizados no tratamento da epilepsia foram descobertos, tendo, nos últimos tempos, o tratamento melhorado muito. Para isso contribuiu o surgimento da segunda linha de medicamentos de efeitos comprovados.
Apesar de actualmente já ser possível controlar as crises de epilepsia em crianças e adultos numa taxa de 70 a 80% dos casos diagnosticados, há já alguns anos que a tónica tem vindo a ser posta na qualidade de vida das pessoas que sofrem da doença.
Dizem que uma em cada 20 pessoas têm uma única crise epiléptica em algum momento de sua vida (embora isto não significa necessariamente que eles têm epilepsia) e que uma cada 50 terá epilepsia em algum momento de sua vida (nem todos com epilepsia vai tê-la para a vida). Que cerca de 75 pessoas são diagnosticadas com epilepsia a cada dia e que há mais homens que mulheres com a doença.
Existe um patrono dos epilépticos, que é S. Valentim. Este é representado benzendo os corpos de dois doentes e com um porco, que simboliza o demónio.
Na Bíblia, existe um caso de um jovem epiléptico curado por Jesus. Quem conta a história é Mateus (17: 14-18), Marcos (9: 17-27) e Lucas (9: 38-42). Neste episódio é possível verificar a crença dos hebreus na possessão de demónio por parte do epiléptico, porque Jesus, para curar o jovem diz: “ Espírito mudo e surdo, Eu te ordeno que saias do menino e nunca mais entres nele.” (Mc 9: 25)

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